quinta-feira, 26 de julho de 2007

Síndrome do primeiro ano (II)

A síndrome do primeiro ano

Começo de governo é sempre difícil. Basta lembrar como exemplo Iris Rezende, em 1983. Entre seus primeiros atos estava o já lendário decretão, que numa penada colocou para a rua milhares de servidores públicos. Com o tempo a maioria retornou, o PMDB colocou outros milhares no lugar. Mas o ato administrativo serviu de discurso para o governador encadear série de críticas aos seus antecessores. Por muito tempo, quase o governo todo, Iris Rezende podia lembrar o passado de 18 anos de arbítrio – que incluíram a cassação de seus direitos políticos – como responsável pela inoperância da sua própria administração em algum setor. Com a imprensa, é bom lembrar que foi no primeiro ano de governo que Iris travou a luta crudelíssima que resultou no fechamento dos jornais Folha de Goiaz, Diário da Manhã e Edição Extra (coincidência ou intenção, os três jornais diários pertenciam ao jornalista Batista Custódio). E no nascimento de uma centena de semanários e mensários bancados com verbas públicas.
Jogar responsabilidades para o passado também foi fórmula para Marconi Perillo superar a crise de transição em seu primeiro ano de governo, 1999. Não houve demissões em massa, a não ser do exército de comissionados que o PMDB tinha na estrutura governamental. Mas a crise financeira foi profunda, paralisante. E sempre que era chamado a explicar a falta de soluções para algum problema, Marconi tinha o escape de explicar a situação financeira com que assumira o poder: atraso de salários dos servidores, falta de pagamento a fornecedores e prestadores de serviço, inadimplência em setores como o Ipasgo e as empresas, Celg e Saneago principalmente. Com a mídia, Marconi passou pelo menos seis meses sem liberar qualquer recurso. Teve dificuldade, também por isto, para tomar atitudes mais amargas: basta lembrar que sua primeira e mais profunda reforma administrativa só saiu ao final do primeiro ano de governo, extinguindo órgãos e reduzindo a estrutura de direção superior.
Com Alcides Rodrigues não tem sido diferente. Exceto pelo fato de que transferir a culpa para o passado, neste caso, é uma tarefa delicada, senão impossível. Afinal, por mais alegórica que seja a função, antes de ser governador em abril do ano passado, ele era vice. Co-responsável pelo governo a ponto de ter sido eleito exatamente com a plataforma de dar continuidade ao que vinha sendo feito. Responsabilizar seu antecessor pela inoperância do governo em qualquer setor soa ao cidadão-eleitor como uma desculpa mal-engendrada, já que quem o precedeu foi também o principal apoiador de sua reeleição. Esta confusão na cabeça do eleitor traz entre outros o seguinte resultado: pesquisa Ecope publicada na semana pelo Diário da Manhã aponta que 60 por cento dos eleitores se dividem de forma quase homogênea ao atribuir tanto a Alcides Rodrigues quanto a Marconi Perillo a culpa pela situação ruim das finanças estaduais. A pesquisa também mostra que o PMDB praticamente se livrou do seu passado negativo, já que para menos de 20 por cento dos goianos há responsabilidade de Iris Rezende e Maguito Vilela, os últimos governadores peemedebistas, no desajuste dos cofres públicos estaduais.
No meio político, o único consenso sobre as finanças estaduais refere-se ao alto valor mensal pago em juros e encargos à União, que chega a 19 por cento da Receita Corrente Líquida (RCL). Algo entre 85 milhões a 100 milhões de reais, dependendo da arrecadação. Do oposicionista mais radical até o governador, há um esforço para repactuar o pagamento de um estoque de dívida hoje estimado em 12,5 bilhões de reais. Tanto que a bancada toda de 17 deputados federais e três senadores concordou em reunir-se com o secretário da Fazenda, Jorcelino Braga, para ver formas de interceder na negociação com o governo federal. E Alcides aposta num encontro com o presidente Lula da Silva para conseguir fazer sair do discurso uma pactuação sinalizada.
Quanto ao mais, a operação, discreta de um lado, persistente de outro, em atribuir culpa do desajuste financeiro atual ao governo anterior mostrou-se desastrosa. Não eximiu Alcides junto ao cidadão e arranhou bastante a reputação e o prestígio que o senador Marconi Perillo construiu ao longo de seu governo. Serviu também para desconstruir, como mostra a pesquisa Ecope, boa parte da retórica que vinha dando certo, política e eleitoralmente, de apontar o PMDB como dono da dívida que tem dificultado a administração estadual nos últimos anos. Mais uma ajuda do governo ao PMDB na redenção com o eleitor que só o tem fustigado nas últimas eleições estaduais.

O que fazer com 10 bilhões de reais?
Há uma certa impaciência tanto da oposição quanto da própria base do governo quanto à postergação das soluções para a crise financeira estadual. Nos últimos dias o governo parece ter se dado conta de que a crise não se resolve apenas tecnicamente, como pretendia o secretário da Fazenda, Jorcelino Braga, ao tentar enquadrar o ritmo das despesas ao fluxo de caixa, sem levar em conta a linha das demandas. O exercício do poder inclui a negociação política, seja na ponta partidária, seja com as entidades organizadas. O que explica, de um lado, o governo ter se aberto às listas de pedidos de nomeações dos deputados, num momento em que a discussão se trava na necessidade de enxugamento de cargos. De outro lado, a disposição de rever o fim dos benefícios fiscais, pleiteado pela secretaria da Fazenda como forma de melhorar o caixa. Atacado pelas entidades empresariais.
Neste embate sem vencedores entre as questões técnicas e as questões políticas, o governo pelo menos tem conseguido embrulhar as discussões sobre o pacote das despesas, sem até agora se envolver no que fazer com as receitas. Ou seja, enquanto se justifica quanto às impossibilidades, por falta de recurso, escapa de dizer, pelo menos até o momento, o que pretende fazer com o que tem arrecadado.
O relevante do assunto, que deve ser o ponto onde se cobra mais transparência, é onde estão sendo gastos os recursos arrecadados. As despesas são, sim, vultosas, mas os recursos também. Uma olhada na contabilidade apresentada pela Sefaz na internet mostra que nas mãos de Alcides Rodrigues – no governo desde abril de 2006 – até junho deste ano entraram no Tesouro estadual nada menos que 9 bilhões, 748 milhões de reais. Destes, cerca de 5,4 bilhões foram gastos com funcionalismo, e há uma parte da receita consumida com as dívidas, e ainda com repasses constitucionais. De todo modo, há algo que se conta na casa dos milhões de reais como saldo de caixa do governo estadual para definir suas prioridades. Prioridade, enfim, é a grande questão que paira como nuvens sobre o governo Alcides Rodrigues. Até agora muito cobrado sobre as despesas, mas pouco sobre onde pretende gastar ou está gastando. Gastando, repita-se, uma soma fabulosa. Para efeito de comparação, basta ver que os quase 10 bilhões de reais arrecadados pelo governo Alcides de abril de 2006 a junho de 2007 representam o triplo do que Marconi Perillo teve em mãos no seu primeiro ano de governo, que arrecadou 3 bilhões, 224 milhões entre janeiro e dezembro de 1999. Do ponto de vista político-eleitoral, Marconi mostrou em seguidas eleições que soube como usar este dinheiro em proveito do cidadão-eleitor.

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